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Torá em Português

Old Hebrew Prayer Book

Parashat Noah

Pedra ou Janela?

Tradução de español: David Abreu

A história de Noé é uma das preferidas das crianças, por seus animais, seus pássaros e seu arco-íris multicolorido.

Temos a tendência a imaginar Noé olhando para a chuva sob o telhado do convés da arca com o elefante, a girafa e os macacos, mas ao ler a descrição da arca na Torá, vemos que ela difere marcadamente da ideia que temos em nossa própria mente. Não havia teto na arca para se abrigar e, de fato, não havia cobertura.

Na verdade, a arca parecia mais um submarino do que um navio. Havia apenas uma janela na arca e somente através dela aqueles que moravam lá dentro sabiam o que estava acontecendo lá fora.

No entanto, este também é um ponto controverso na exegese bíblica.

A palavra "Chalon" (janela) não aparece em nossa porção da Torá, mas sim a palavra "Tzohar" que tem mais de um significado. Alguns traduzem como "clarabóia", que é uma espécie de janela, enquanto outros preferem traduzir como "pedra preciosa" (RaSHI).

Rabino Shlomo Kluger faz um comentário interessante sobre isso: Qual é a diferença entre uma pedra preciosa e uma janela? pergunta o rabino.

Uma janela deixa entrar a luz e por ela vemos o que acontece lá fora. Uma pedra preciosa, por outro lado, consegue absorver luz no seu interior, mas nunca nos permitirá ver através dela.
Essa diferença coincide com a personalidade controversa de Noé. Há quem defenda que o coração e o pensamento estão com o que se passa lá fora, enquanto outros pensam que Noé só se ocupou em pensar nos seus, esquecendo a dor que caiu sobre a raça humana e que foi banhado pela água lá fora.

A arca, na história de Noé, simboliza a segurança, a bolha ou a torre de marfim.

Todos em suas próprias vidas se sentam em suas próprias torres de marfim. Há quem goze de estabilidade económica e se esquece de que no mundo - e talvez na casa do vizinho - existe pobreza e fome. Há quem habite a torre de marfim do calor familiar e se esquece de que muita gente no mundo sofre de uma solidão insuportável.

São muitas as bolhas que podem nos abrigar.

Há uma famosa controvérsia na Gemara (Meguilá 24b) entre o Rabino Yehudah e os sábios sobre se uma pessoa cega é obrigada a recitar a bênção das luminárias na oração matinal.

Como pode um cego dizer "quem forma a luz e cria as trevas" (Iotzer Or Uboré Choshech) se nunca viu a luz em sua vida?

Rabi Yosei aponta no Talmud que ele sempre foi perturbado por aquele versículo que diz: "E você tateará ao meio-dia, como o cego apalpa na escuridão" (Devarim 28:29). Que diferença faz para uma pessoa cega se houver luz ou neblina? Em qualquer caso, ele não pode ver!

O próprio Rabino Yosei responde a sua pergunta por meio de uma história da qual ele foi o protagonista:

Em certa ocasião, conta o Rabino Yosei, ele caminhava na escuridão da noite e percebeu que um cego caminhava em sua direção com uma tocha na mão.

Ele perguntou-lhe: "Meu filho, qual é a função dessa tocha?

O cego respondeu: "Enquanto eu carrego a tocha na mão, as pessoas me podem ver andando e me ajudar a não tropeçar."

A finalidade da luz não é apenas iluminar o nosso caminho, mas também permitir-nos ver o nosso próximo e o nosso mundo.

A polêmica a respeito da palavra "Tzohar" não é uma mera discussão semântica. É uma polêmica que nos ajuda a pensar se uma sociedade melhor é possível.

"Saia da arca!" (Bereshit 8:16), diz D'us a Noé quando as águas baixam. "Saia da arca, porque existe um mundo fora das paredes de sua bolha."

Apenas Noé decidirá se ele irá transformar o "Tzohar" em "Zohar" (brilho) e trazer luz ao mundo, ou se ele irá transformá-lo em "Sohar" (uma prisão) e mantê-lo apenas para si mesmo.

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